O
erotismo como manifesto de reivindicação de respeito
Quando
falamos da figura feminina, seja dentro da poética ou até mesmo no corriqueiro
não há como não elencar o fator repressão do feminino e a necessidade masculina
de se impor como dominante.
Neste
quadro encaixa-se a mulher insatisfeita com essa sociedade patriarcal que busca
“gritar” sua feminilidade e se impor como ser pensante e participante ativo
cultural. E é nesse contexto que podemos observar e debater sobre o ecológico
feminino na poesia, manifestação com a finalidade de combater o ideal de homem
dominante.
A
mulher dentro da perspectiva ecológica se vê em uma posição de combate frontal
à crítica conservadora e ao machismo imposto durante séculos por uma sociedade
que espera que a mulher seja condenada ao silêncio.
Gilka
Machado, a escritora que pioneiramente cantou o erotismo feminino na poesia
brasileira, usou de artifícios ecológicos, metáforas relacionadas à natureza,
para explorar o desejo feminino, este que era e continua sendo um tabu que deve
ser calado para não “chocar” a sociedade. Porém, tanto Gilka quanto outras
escritoras usaram desse ecológico para retratar o erotismo e conseguiram manter
a feminilidade sem tornar vulgar seus manifestos.
Não podemos deixar de frisar que o erotismo é um
artifício utilizado como um elemento capaz de possibilitar a reflexão sobre a
condição feminina.
Expresso a mim e a ti os meus desejos
mais ocultos e consigo com as palavras uma orgíaca beleza confusa. Estremeço de
prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal! Luto
por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos,
sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha eu e minha liberdade. É tamanha a
liberdade que pode escandalizar um primitivo mas sei que não te escandalizas
com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis. Esta minha
capacidade de viver o que é redondo e amplo- cerco-me por plantas carnívoras e
animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico.
(Clarice Lispector, 1980)
Clarice afirma nesse trecho justamente esse cantar de liberdade
exprimindo seus desejos mais ocultos em forma de poesia. E foi essa forma de
poética que fez a sociedade abrir os olhos para a mulher como ser pensante e
dotado de desejos que deveriam ser atendidos e respeitados.
Na poesia de protesto firmada no ecológico,
verifica-se a manifestação do desejo como processo gerador da estrutura textual
e, sendo o desejo o elemento desencadeador, é inevitável que ele se converta em
manifestação erótica.
Analisar o erotismo é algo complexo, pois quando se
fala em erótico, tende sempre a pensar na relação sexual, o que é justificável,
tendo em vista que é quase impossível desvincular o erotismo da sexualidade,
daí a complexidade da questão. No entanto, o erotismo, tal como é compreendido
pelos estudiosos modernos, aponta para uma infinidade de questões que vão além
do ato sexual.
Trazendo essa perspectiva do erotismo feminino como
forma de protesto para os dias de hoje, podemos analisar a “marcha das vadias”
que assim como o erotismo de décadas anteriores, tem como intuito usar o nu e a
sexualidade para chamar atenção para seu objetivo principal: valorização da
figura feminina.
Manifestações sejam elas na poesia ou não, quando se
trata de mulheres, já é um tema polêmico, se hoje o nu choca, podemos imaginar
o quanto o manifesto ecológico na sociedade de décadas atrás foi de difícil
aceitação. Vivemos hoje em um mundo que se intitula mais “liberal” e as
primeiras poesias escritas sob forma de protesto, usando o erotismo como
ferramenta principal de “choque” ainda causam um efeito constrangedor na
sociedade e no berço religioso.
Mulheres a frente de sua época, sempre manifestaram
seus desejos e com aquele dom feminino de não parecer vulgar, assim se
construiu a identidade feminina dentro do lírico em uma época patriarcal onde o
novo era tabu.
A
expressão do erotismo, elemento pelo qual a Mulher cria corpo, se torna sujeito
no ecológico feminino: é através das sensações corporais, da sexualidade, que o
sujeito feminino começa a ganhar outro espaço no contexto poético, já que sai
da condição de submissão, de desolada, sofredora, e mulher pudica e idealizada,
e retorna para a mulher sensual, a mulher que deseja, a mesma mulher do gênese
bíblico, apagada em sua sensualidade pela cultura. Essa mudança ocorre a partir
dos novos paradigmas instaurados no século XX, a partir dos pensamentos, por
exemplo, de Nietzsche, que questiona os valores cristãos, e Freud, estudando a
sexualidade humana e a cultura, desconstruindo a “culpa”.
A poesia, o fazer poético, passa a ser a via para a
expressão feminina, expressão da mulher que observa e tem necessidade dessas
mudanças de pensamento e comportamento, necessidade de se libertar, mas que se
liberta apenas pela palavra poética, sujeita à censura dos ultrapassados, mas
ainda admirados, conservadores e machistas.