quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Ecofeminismo na Poesia

Em homenagem ao professor Marciano Lopes e Silva, que faleceu hoje, 17/10/2013, grande defensor do Ecocrítico na poesia feminina; e também à professora Angélica Soares, estudiosa da área que encontra-se internada em estado grave que posto esse pequeno trabalho de minha autoria sobre o Ecofeminismo poético:




O erotismo como manifesto de reivindicação de respeito

Quando falamos da figura feminina, seja dentro da poética ou até mesmo no corriqueiro não há como não elencar o fator repressão do feminino e a necessidade masculina de se impor como dominante.
Neste quadro encaixa-se a mulher insatisfeita com essa sociedade patriarcal que busca “gritar” sua feminilidade e se impor como ser pensante e participante ativo cultural. E é nesse contexto que podemos observar e debater sobre o ecológico feminino na poesia, manifestação com a finalidade de combater o ideal de homem dominante.
A mulher dentro da perspectiva ecológica se vê em uma posição de combate frontal à crítica conservadora e ao machismo imposto durante séculos por uma sociedade que espera que a mulher seja condenada ao silêncio.
Gilka Machado, a escritora que pioneiramente cantou o erotismo feminino na poesia brasileira, usou de artifícios ecológicos, metáforas relacionadas à natureza, para explorar o desejo feminino, este que era e continua sendo um tabu que deve ser calado para não “chocar” a sociedade. Porém, tanto Gilka quanto outras escritoras usaram desse ecológico para retratar o erotismo e conseguiram manter a feminilidade sem tornar vulgar seus manifestos.
Não podemos deixar de frisar que o erotismo é um artifício utilizado como um elemento capaz de possibilitar a reflexão sobre a condição feminina.

Expresso a mim e a ti os meus desejos mais ocultos e consigo com as palavras uma orgíaca beleza confusa. Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal! Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha eu e minha liberdade. É tamanha a liberdade que pode escandalizar um primitivo mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis. Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo- cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico. (Clarice Lispector, 1980)

Clarice afirma nesse trecho justamente esse cantar de liberdade exprimindo seus desejos mais ocultos em forma de poesia. E foi essa forma de poética que fez a sociedade abrir os olhos para a mulher como ser pensante e dotado de desejos que deveriam ser atendidos e respeitados.
Na poesia de protesto firmada no ecológico, verifica-se a manifestação do desejo como processo gerador da estrutura textual e, sendo o desejo o elemento desencadeador, é inevitável que ele se converta em manifestação erótica.
Analisar o erotismo é algo complexo, pois quando se fala em erótico, tende sempre a pensar na relação sexual, o que é justificável, tendo em vista que é quase impossível desvincular o erotismo da sexualidade, daí a complexidade da questão. No entanto, o erotismo, tal como é compreendido pelos estudiosos modernos, aponta para uma infinidade de questões que vão além do ato sexual.
Trazendo essa perspectiva do erotismo feminino como forma de protesto para os dias de hoje, podemos analisar a “marcha das vadias” que assim como o erotismo de décadas anteriores, tem como intuito usar o nu e a sexualidade para chamar atenção para seu objetivo principal: valorização da figura feminina.
Manifestações sejam elas na poesia ou não, quando se trata de mulheres, já é um tema polêmico, se hoje o nu choca, podemos imaginar o quanto o manifesto ecológico na sociedade de décadas atrás foi de difícil aceitação. Vivemos hoje em um mundo que se intitula mais “liberal” e as primeiras poesias escritas sob forma de protesto, usando o erotismo como ferramenta principal de “choque” ainda causam um efeito constrangedor na sociedade e no berço religioso.
Mulheres a frente de sua época, sempre manifestaram seus desejos e com aquele dom feminino de não parecer vulgar, assim se construiu a identidade feminina dentro do lírico em uma época patriarcal onde o novo era tabu.
A expressão do erotismo, elemento pelo qual a Mulher cria corpo, se torna sujeito no ecológico feminino: é através das sensações corporais, da sexualidade, que o sujeito feminino começa a ganhar outro espaço no contexto poético, já que sai da condição de submissão, de desolada, sofredora, e mulher pudica e idealizada, e retorna para a mulher sensual, a mulher que deseja, a mesma mulher do gênese bíblico, apagada em sua sensualidade pela cultura. Essa mudança ocorre a partir dos novos paradigmas instaurados no século XX, a partir dos pensamentos, por exemplo, de Nietzsche, que questiona os valores cristãos, e Freud, estudando a sexualidade humana e a cultura, desconstruindo a “culpa”.
A poesia, o fazer poético, passa a ser a via para a expressão feminina, expressão da mulher que observa e tem necessidade dessas mudanças de pensamento e comportamento, necessidade de se libertar, mas que se liberta apenas pela palavra poética, sujeita à censura dos ultrapassados, mas ainda admirados, conservadores e machistas.

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